Evidência científica – parte 6 – Estudos observacionais

Evidência científica – parte 6 – Estudos observacionais

Evidência científica parte 6 Estudos observacionais

Hoje você vai descobrir, finalmente, se ovo faz mal à saúde!!!

Evidência científica Estudos observacionais

Gráfico 1

 

Mentira.

Na verdade, você vai aprender um pouco sobre estudos observacionais e, no caso específico da epidemiologia nutricional, porque ela tem baixa probabilidade de produzir resultados verdadeiros.

Já vimos que ensaios clínicos randomizados são o tipo de estudo ideal para inferirmos causalidade entre uma exposição (tratamento) e um desfecho.

Entretanto, não é possível ou factível fazer ensaios clínicos randomizados para responder todas as perguntas. Um exemplo clássico é a associação entre tabagismo e câncer de pulmão. Seria bastante antiético randomizar pessoas para fumarem ou não. Além disso, alguns desfechos, como o próprio câncer de pulmão, levam muito tempo para acontecerem depois do início da exposição. Não seria muito factível aguardar décadas para termos uma resposta razoável à pergunta “cigarro causa câncer de pulmão?”.

Por último, uma outra razão que diminui a factibilidade de ensaios clínicos é o preço. São, usualmente, muito caros.

Tudo isso para dizer que, inevitavelmente, teremos que fazer inferências causais a partir de dados observacionais. E não há, inerentemente, nenhum problema nisso!

Só temos que ter cuidado com os dados e o tratamento que damos a eles. Lembrem-se dos confundidores residuais, muitos deles não medidos ou nem mesmo conhecidos.

Quero deixar claro que não sou especialista em fazer inferência causal. É um assunto que estou começando a estudar com mais seriedade.

Objetivo deste post: como pensar em estudos observacionais do ponto de vista de quem consome ciência.

Pois bem, ovo faz mal à saúde? Café protege do câncer?

Estudos que tentam responder estas perguntas, contidos no que é coletivamente chamado de epidemiologia nutricional, são os que mais aparecem nas manchetes da mídia leiga (pelo menos em tempos não-pandêmicos).

Mas será que trazem respostas úteis?

Há pelo menos um problema primordial com a imensa maioria desses estudos: os dados são ruins. Usualmente, utilizam métodos para mensurar o que as pessoas comem que dependem das suas memórias. Não são dados confiáveis.

Por exemplo: National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) é um programa de estudos, que existe desde a década de 1960, desenhados para avaliar a saúde e status nutricional da população dos Estados Unidos.

Para a parte nutricional, os dados são imputados a partir de métodos que dependem das memórias das pessoas. Elas dizem o que e o quanto comeram.

Um estudo de 2013 concluiu que ⅔ dos participantes do estudo reportaram uma ingesta calórica incompatível com a vida.

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Imagem 1

Um outro estudo, bem interessante, fez o seguinte: escolheu-se 50 ingredientes aleatoriamente de um livro de receitas, e buscou-se em uma base da dados de estudos científicos, trabalhos que correlacionassem estes ingredientes com risco de câncer.

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Imagem 2

Encontraram estudos para 40 dos ingredientes.

72% dos estudos encontraram uma associação (de risco ou proteção) do ingrediente com câncer.

75% das associações foram estatisticamente fracas.

As magnitudes de efeitos encontradas nos estudos eram enormes. As associações relacionadas a aumento de risco tinham RR = 2,2 (média) e as protetoras tinham RR de aproximadamente 0,52.

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Gráfico 2

Pense com você: qual é a probabilidade que UM ingrediente sozinho, dentre milhares, vá reduzir sua chance de câncer PELA METADE?

Nós precisamos de estudos observacionais? SIM. Eles são importantíssimos.

Seja para conclusões, seja para levantar hipóteses para ensaios clínicos.

Mas sempre devemos lembrar que associação não é a mesma coisa que causalidade. Inferir causalidade de dados observacionais não é uma tarefa fácil. Ela depende de dados bons e confiáveis e conhecimento de técnicas estatísticas para lidar com eles.

Um professor de bioestatística da Universidade de Londres, chamado Austin Bradford Hill criou, em 1965, um conjunto de critérios para pensarmos se uma associação é causal ou não. Vou apenas citá-los aqui, para não me alongar, mas recomendo que leiam sobre eles com calma:

  1. Força da associação
  2. Consistência
  3. Especificidade
  4. Temporalidade
  5. Gradiente biológico
  6. Plausibilidade
  7. Coerência
  8. Evidência experimental
  9. Analogia

Para terminar, lembrem-se: um dos principais motivos de se aprender esse tipo de coisa é não ser enganado.

Nos tempos de pandemia, cuidado com manchetes contendo curas milagrosas.

Passada ela, cuidado com ingredientes milagrosos.

 

PS: deu para entender? Você sentiu falta de alguma informação? Comente aqui ou me mande uma mensagem por onde preferir.

Por FERNANDO SALVETTI VALENTE
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