Evidência científica – parte 4 – Magnitude do efeito

Evidência científica – parte 4 – Magnitude do efeito

Evidência científica parte 4 Magnitude do efeito

Suponha que você tenha inventado um medicamento revolucionário

O nome dele é hidroxissocoquina e diminui a probabilidade de uma pessoa levar um soco na cara no próximo ano

Diminui quanto?

Magnitude do Efeito e Evidência Científica

Imagem 1

O jeito que isso é calculado nos estudos:

Incidência do desfecho no grupo tratamento/incidência no grupo controle

No nosso exemplo:

Incidência de soco na cara de quem tomou hidroxissocoquina/incidência de soco na cara de quem não tomou

Imagine que, ao dividir um número pelo outro, o resultado foi 0,4 ou 40%

Chamamos isso de risco relativo (RR). O risco de levar um soco na cara de quem tomou hidroxissocoquina, em relação a quem não tomou, é de 40%

Se subtrairmos isso de 1,0 temos a redução relativa do risco (RRR)

Neste caso, a redução relativa do risco seria de 60% (1 – 0,4).

Quem tomou hidroxissocoquina teve uma redução de 60% no risco de levar um soco na cara! Impressionante!

Será que é tão impressionante assim? Voltaremos a isso no final.

Agora, de quanto é a redução relativa do risco de algumas terapias consagradas em medicina?

Acompanhe as figuras com dois exemplos

Evidência científica Magnitude do efeito

Gráfico 1

Espironolactona em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção < 35%

RR = 0,7 (diminui o risco de morte em 30%)

Evidência científica Magnitude do efeito

Gráfico 2

Estatina de alta potência em pacientes com síndrome coronariana aguda

HR = 0,84 (diminui o risco de morte ou evento cardiovascular maior em 16%)

Como vocês podem ver, terapias consagradas causam reduções relativas de risco modestas.

Não existem balas mágicas em Medicina. Às vezes aparecem terapias com magnitudes de efeito maiores, mas, em geral, boas terapias estão associadas a uma redução relativa de risco de 15-30%

Esses números são bons! Mas não são milagrosos…

Calma, mas a hidroxissocoquina é diferente! Ela reduziu em 60% o risco de levar soco na cara! É um efeito impressionante!

Então…

Além do fato de não termos muitas terapias com magnitudes de efeito enormes, existe um outro cuidado que temos que ter:

Para que você consiga interpretar melhor a magnitude do efeito da terapia em questão, deve saber a redução ABSOLUTA do risco

Como fazer?

Vamos usar o exemplo da impressionante hidroxissocoquina.

Imagine que o risco de uma pessoa levar um soco na cara seja, a cada ano, de 0,2%

Se a hidroxissocoquina tem a capacidade de baixar esse risco para 40% disso, temos que:

0,2% x 0,4 = 0,08%

Não parece mais tão impressionante, não é mesmo?

Da mesma forma que temos a RRR (redução relativa do risco), também existe a redução absoluta do risco (RAR)

Calcula-se não mais por uma divisão, mas sim uma subtração

Uma incidência menos a outra

No nosso exemplo: 0,2% (incidência de soco na cara de quem não tomou a medicação) – 0,08% (incidência de quem tomou)

RAR = 0,12%

Esse é o cuidado que temos que ter. Frequentemente nos são apresentados números de redução relativa do risco que parecem impressionantes, enormes!

Mas se estamos agindo em um desfecho que tem baixa incidência (acontece pouco), a magnitude real da redução pode ser bem pequena.

Existe um jeito de apresentar a redução absoluta de risco de uma forma mais clara?

Sim!

É o conceito de NNT (número necessário a tratar)

Ele representa a quantidade de pessoas que devem receber uma terapia para que uma delas não sofra o desfecho em questão

É muito simples calculá-lo. É só dividir 1 pela redução absoluta de risco (1/RAR)

No nosso exemplo: NNT = 1/0,12% = 833

Ou seja, preciso prescrever hidroxissocoquina para 833 pessoas para que uma delas não leve um soco na cara no próximo ano.

Talvez seja o fim dessa medicação tão promissora…

Sei que são vários conceitos e algumas contas. Frequentemente, as pessoas precisam de mais de um contato para absorver tudo. Tente ler algumas vezes, escreva num papel os exemplos e tente fazer as contas.

Pode me mandar mensagem se não entenderam. Por favor, tentem ser específicos nas dúvidas para que seja mais fácil ajudá-los.

Na próxima postagem, falaremos sobre questões éticas. Contarei uma história trágica sobre um antiarrítmico e a relação dele com a Guerra do Vietnã

Até lá!

PS: deu para entender? Você sentiu falta de alguma informação? Comente aqui ou me mande uma mensagem por onde preferir.

Por FERNANDO SALVETTI VALENTE
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